Olá, leitores da Caderneta! Para a edição desta semana, o ponto de partida é o segundo capítulo do meu livro-reportagem, Artefatos Literários. Nosso guia de jornada: uma Chave mágica, capaz de abrir portais para mundos imaginários. No capítulo 2, escrevi sobre as narrativas de tradição oral, dividi o capítulo em quatro partes: Ala folclórica (sobre folclore), Ala mitológica (sobre mitos), Ala lendária (sobre lendas) e Ala feérica (sobre contos de fadas). Vamos conversar sobre a minha favorita: Ala feérica, onde habitam os contos de fadas.
Ala Feérica
A Ala Feérica foi batizada dessa maneira por ser o ponto de encontro de todos os Contos de Fadas. E, bem… nem todos os contos de fadas têm “fada” na história. De acordo com a definição de Carlos Ceia no E-dicionário de Termos Literários, o termo engloba vários tipos de narrativas, especialmente aquelas protagonizadas por um herói ou heroína que vai passar por aventuras mágicas, repleta de elementos atemporais. Costumam apresentar seres e acontecimentos extraordinários e tendem a se desenrolar num cenário temporal e geograficamente vago.
A nossa Chave do portal está aqui pulsando. Ela deseja que a gente abra logo o portão para a Ala Feérica e descubra mais sobre esse mundo encantador dos Contos de Fadas. Vamos nessa?
Ao abrir o portal, damos de cara com um grupo peculiar. Uma menina de capuz vermelho, uma jovem de longos cabelos trançados, uma moça usando vestido de baile – e apenas um sapato. Essas três figuras estavam casualmente conversando com a escritora Ana Lúcia Merege, autora do livro Os Contos de Fadas: Origens, História e permanência no mundo moderno (2010).
Nesta obra, a autora nos conta sobre a dificuldade de chegar a uma definição exata para a origem dos contos de fadas. Mas ela explica que o consenso entre os teóricos é o seguinte: os contos de fadas têm origens muito antigas! Talvez até pré-históricas, com as histórias contadas pelos xamãs e anciãos das tribos ao redor das fogueiras. Vale lembrar: isso não acontecia somente na Europa. Todas as culturas têm os seus contos tradicionais. Ana Lúcia continua seu raciocínio, nos explicando o quão complexo seria fazer uma definição “puramente literária” dos contos de fadas. Afinal, a literatura também tem efeitos socioculturais.
Ainda nessa temática dos contos de fadas, escrevi esse conto onde três personagens de contos clássicos se encontram numa sala de espera. O que acontece? Leia e descubra.
A Sala de Espera, por Sofia Osório de Castro
O pequeno porco olhou para o relógio. Já passava das três e meia, mas nada de ser atendido. Tinha esquecido de levar um livro e não havia revistas para folhear naquele lugar. Para espantar o tédio, restou conversar com suas companheiras de sala de espera.
— Olá, como se chama?
— Rapunzel. — ela respondeu, mexendo nos próprios cabelos, sem olhar para o porco.
O pequeno porco, notando que a moça não queria muito papo, virou para o outro lado e puxou assunto com a garota à sua esquerda.
— Olá, como se chama?
— Maria. — ela respondeu, rapidamente pegando o celular e abrindo o Candy Crush.
— Vocês não tão a fim de conversa mesmo, hein? — disse o porco em um tom que ambas pudessem ouvir.
Maria guardou o celular, Rapunzel largou os cabelos. Ambas voltaram os olhares para o porco.
— Dá licença? — retrucou Rapunzel. — Primeiro, eu fui presa em uma torre durante a vida inteira. Depois, quando eu pensei que finalmente seria salva por um príncipe encantado, ele tinha que subir na torre se agarrando em meus cabelos. Vocês têm noção do quanto isso dói? Então, ele chegou lá em cima e nem era como eu estava esperando. Descobri que o sujeito só foi atrás de mim para ganhar uma recompensa em dinheiro, acredita? E ainda por cima, era feio de doer.
O pequeno porco tentou interromper para acalmar a jovem, que estava quase sem conseguir respirar, mas ela continuou o desabafo.
— Acabei por cortar o cabelo na altura do ombro, desse jeito que está agora. Por que vocês acham que eu fico mexendo nele o tempo todo? Trauma. Aquilo tudo me traumatizou de um jeito… Aí agora sempre que mexo no cabelo, lembro da dor. Eu devia ter raspado de vez, isso sim.
— Moça, você acha que isso foi um trauma? — dessa vez foi Maria quem falou. — Pois vocês não têm noção do que aconteceu comigo. Primeiro, meus pais abandonaram a mim e meu irmão no meio do mato. Depois, nós encontramos uma casa feita de doces na floresta. Como a gente estava morrendo de fome, lógico que começamos a comê-la, né. Mas apareceu uma bruxa ameaçando nos jantar. Ela pegou meu irmão e o colocou dentro de um forno. Eu tive que enganar a bruxa para colocá-la dentro do forno e soltar meu irmão. E essa foi a história de como duas crianças cometeram um assassinato para não serem jantadas depois de serem abandonadas pelos pais. Trauma total. Acabei por ficar viciada em Candy Crush. O jogo me lembra do trauma, mas ao mesmo tempo me relaxa, vai entender…
— É… — disse o porco, encolhendo-se na cadeira.
— E você?
— Bem, eu me chamo Cícero e sempre fui considerado o preguiçoso da família. Isso me irrita muito. Me perseguiu a vida inteira. A gota d’água foi quando um lobo assoprou minha casa de palha, mas o meu irmão ficou se achando porque a casa de tijolos dele ficou intacta.
— Ah.
— Ah.
— Então, o seu trauma… é que o seu irmão foi mais esperto que você?
— Meus dois irmãos.
— Ah.
A porta se abriu, saiu de lá uma garota de capuz vermelho e um homem de terno cinza com cachimbo na mão.
— Até a próxima sessão, Chapeuzinho.
— Até, Dr. Freud. Obrigada.
A garota saiu andando e foi embora. O Dr. Freud pegou seus óculos de leitura, uma prancheta e chamou:
— O próximo é Cícero.
O porco levantou-se da cadeira e aproximou-se do homem.
— Olá, Cícero. Seja bem-vindo. Temos muito o que conversar.
Rapunzel voltou a mexer nos cabelos e Maria voltou a jogar Candy Crush.
Caderneta Indica
Contos de Fadas clássicos:
Coleção da Katia Canton: Conversa de Madame, Contos que brotam nas florestas — Eu AMAVA essa coleção quando criança, tenho todos até hoje!
Releituras por autores contemporâneos:
O caçador, Ana Lúcia Merege — Um dos meus livros favoritos da vida!
Contos de fadas sombrios — Adoro esse livro, 6 autores trazendo diferentes olhares para os contos de fadas em contos incríveis.
Cinder, Marissa Meyer (Crônicas Lunares) - Releitura de Cinderela estilo sci-fi teen (tem outros livros com outras personagens na coleção).
O sibilar de outrora, Carol Façanha - Releitura gótica de A Bela e a Fera
Espelho, espelho Eu, Laetícia Monteiro - Releitura contemporânea de A Branca de Neve
Pensando teoricamente:
Audiovisual:
Once Upon a Time (série) — fez minha adolescência
Encantada (filme)
Shrek (série de filmes)
Obrigada a você que leu até aqui,
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Conheça meu livro Medos Rabiscados
Abraços,
— Sofia
Sofia, que delícia ler esse texto. Sua pesquisa te levou longe! Muito obrigada por me citar e a tantos dos meus trabalhos. E eu também poria um monte de personagens dos contos de fadas no divã... :)
Achei incrivel a interação dos personagens, principalmente do Cicero kkk, ancioso para ler a proxima caderneta