Tornando o estranho familiar, tornando o familiar estranho
Anotações da aula de Antropologia, Livros estranhos e Estranhando a vida
Oiê, leitor! Você acaba de entrar na Caderneta. Primeira vez aqui? Bem, a minha também. Na verdade, já estive aqui antes… Mas tive que dar um tempinho. Portanto, considero hoje como se fosse a primeira vez. Primeira edição da nova Caderneta. Até porque a antiga newsletter estava hospedada em outro site, que deixou de existir, eu não fiz backup, então perdemos os registros… (agora aprendi a escrever antes no Docs e depois passar pra cá haha)
Então seja bem-vindo à Caderneta! Imagine como se estivesse abrindo o meu caderno de anotações e conversando comigo sobre o que tem escrito naquelas páginas. Não é como se você fosse literalmente abrir e ler o caderno. É mais como uma conversa. Digo isso porque as minhas anotações são uma baguncinha. Frases soltas, palavras perdidas, esquemas ilustrativos tentando conectar meus pensamentos aleatórios de alguma forma minimamente organizada. Não faz muito sentido… mas eu entendo. São as minhas cadernetas, afinal. Andam comigo pra cima e pra baixo, na bolsa, na mochila, às vezes até no bolso, quando estou só com o bloco de notas do celular.
Para essa edição, fiz uma verdadeira imersão pelas minhas cadernetas recentes e antigas, folheei, mergulhei naquelas páginas, buscando qual seria o assunto ideal para começarmos nossa conversa. Me deparei com um conceito que anotei no meu caderno verde da Mafalda, companheiro durante boa parte dos meus estudos da faculdade de Jornalismo.
Anotei o conceito em questão durante uma aula de Antropologia da Comunicação, que era uma das minhas disciplinas favoritas.
Tornar o estranho familiar. Tornar o familiar estranho.
Tornar o estranho familiar e tornar o familiar estranho. Eu simplesmente amo esse conceito! É sobre aprender a estranhar o que já estamos acostumados, tentar ver por diferentes perspectivas. Ao mesmo tempo, pegar aquilo que não estamos acostumados, o “estranho”, e nos familiarizarmos com ele. É lindo. E não estamos falando só de antropologia.
Mini-manual para tornar o estranho familiar e tornar o familiar estranho:
Seja estranho. Mas isso você já deve ser. Todo mundo já é um pouco. Então… isso não tornaria o estranho… familiar? Bugou minha mente aqui! 🤯
Leia e assista coisas que não está acostumado. Não precisa ser sempre. Mas gosto de incluir de vez em quando uma ou outra leitura/vídeo de tema ou formato que não conheço bem.
Saia de casa. Sério. Vai passear, cara. Estou fazendo o experimento de ser uma turista na minha própria cidade. Pelo menos 1x por mês, vou a um lugar da cidade que não conheço ainda. Descobri que existem vários. Tem sido ótimo!
Dicas de obras estranhas para se familiarizar:
Esta solidão aberta que trago no punho, de Dércio Braúna
Chama-se “livro de poesia”. Está classificado assim, nessa categoria. Mas também é carta, fotografia, relato, documento histórico, bilhete, narrativa. É estranho, mas é isso. Poesia é estranha. Amamos a poesia estranha.
Pequena coreografia do adeus e O peso do pássaro morto, de Aline Bei
É um estranhamento delicioso que Aline nos proporciona. Romance escrito em versos. Não é um poema narrativo, isso também existe e eu adoro! Mas a Pequena e o Pássaro são Romances em versos. Romances em Poesia. Romances fora da ordem do esperado. A gente estranha a forma, mas se envolve tanto com a trama e as personagens (principalmente elas, as personagens protagonistas de cada livro), que quando percebe, está familiarizada com o estranhamento.
Bagageiro, de Marcelino Freire
São contos? São crônicas? São ensaios? É um bagageiro. Haviam lhe dito: “Você tem muita bagagem.” Naquele sentido de bagagem cultural, conhece bastante, tem repertório. Marcelino, contudo, pensou consigo mesmo: “Eu não tenho bagagem. Eu tenho um bagageiro!” O autor chama de “ensaios de ficção” esses textos nos quais ele mescla narrativas fictícias com um tom ensaístico, e oralidade, traço característico do escritor pernambucano.
OBS: Do mesmo autor, achei ainda mais estranho, peculiar e diferente da minha zona de conforto, o livro “Ossos do Ofídio”, mas parece que esgotou. Comprei na época que lançou, em 2021. Pelo que entendi, era edição limitada.
Diga Astrasgud, de Socorro Acioli
A língua portuguesa é estranha, né? Cheia de palavras esquisitas. Advérbios, verbos, substantivos. Agora imagine um livro de contos no qual a protagonista é ela: a língua portuguesa. A autora cearense Socorro Acioli foi lá e fez essa obra. Em Diga Astrasgud, somos convidados a estranhar o familiar (a nossa língua, que estaríamos tão acostumados) viajando pelo universo das letras e palavras.
Dicionário de artistas, de Gonçalo M. Tavares
Chama-se Dicionário. Deveria explicar conceitos. Deveria definir. Deveria, deveria, deveria. Mas acho que o Gonçalo não se importou muito com o conceito de dicionário ao produzir o seu Dicionário de artistas. O livro é composto por verbetes. Ok, até aqui é bem dicionaresco. Mas em cada verbete, temos o nome de um artista contemporâneo, um conceito que ele/a traz em sua obra, uma imagem (d’Os Espacialistas) e um breve texto, seria um ensaio (?), seria um poema em prosa (?), ou seria uma anotação de Gonçalo feita a partir da obra do artista em questão. Ficou confuso? Sentiu estranhamento com minha explicação? Experimenta ler o livro então! Vai ser uma experiência diferente, te garanto.
Para finalizar, encontrei um vídeo muito legal da escritora Noemi Jaffe comentando sobre o conceito de estranhamento na obra da Clarice Lispector. Vou deixar o link aqui para vocês assistirem, está disponível no YouTube.
Espero que tenham curtido essa primeira cartinha 📔
Por hoje é só! Até próxima semana ❣️
Grande abraço,
Sofia Osório de Castro
PS: Não deixe de comentar no substack, nas redes sociais ou responder esse e-mail dizendo o que achou dessa edição. Vou adorar conversar com você sobre estranhamentos!
Adorei saber que a Antropologia era uma de tuas matérias preferidas. E gostei muito de te ler mais uma vez. Beijo grande!
adorei as dicas de livros e as dicas para abraçar a "estranheza" no nosso dia a dia ;)