Explorando terrenos da ficção
Avôs, enciclopédias, fantástico cearense e os bastidores de Artefatos Literários
O ponto de partida para a Caderneta News de hoje foi um texto que escrevi no final do ano passado (2023). Não foi um texto qualquer. Mas sim, o relatório do meu Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Jornalismo.
Resolvi compartilhar aqui com vocês um pouco sobre isso. “Mas por que, Sofia? Eu não quero ler um relatório de faculdade!” Pois é, meu caro leitor, imaginei que você diria algo assim. Por isso, já aviso logo: o tema do meu livro-reportagem foi a literatura fantástica cearense. Ele foi todo estruturado como se fosse um livro de fantasia e aventura. Vem comigo, vou te mostrar alguns bastidores
Bastidores de Artefatos Literários
Chamei meu livro-reportagem de "Artefatos Literários: trilhas de um Ceará fantástico”. O nome não foi por acaso. Cada capítulo é representado por um artefato diferente. Um objeto mágico que atua como “guia de jornada” naquela aventura. No capítulo 1, uma Enciclopédia. No capítulo 2, uma Chave. No capítulo 3, uma Ampulheta. No capítulo 4, um Mapa. São 8 capítulos abordando conceitos sobre o fantástico, história da literatura, escritores, movimentos literários e outros diálogos. Cada item (artefato) conta uma história.
Vamos conversar sobre o primeiro deles: A Enciclopédia.
Meu fascínio por enciclopédias
Minha mãe me contou que, quando ela era criança, meu avô costumava chamar os filhos para sair pela cidade e “explorar os terrenos”. Era a forma dele dizer “vamos passear”. De acordo com o Dicionário Caldas Aulete, “explorar é percorrer um território para conhecer ou descobrir algo", ou ainda, "investigar, estudar para conhecer, entender”. Portanto, “explorar os terrenos”, frase que meu avô usava em outro contexto, utilizarei aqui para falar sobre o trabalho realizado no livro-reportagem Artefatos Literários: trilhas de um Ceará fantástico.
Tenho memórias muito boas de meu avô Abner, que faleceu em 2017. Uma das mais marcantes foi da vez em que ele me presenteou com uma enciclopédia completa. Eu não devia ter mais do que 10 anos na época, mas o vovô imaginava, sentia, pressentia de alguma forma que eu viria a me tornar jornalista e escritora. Na época, ele pediu ao meu tio Maurílio para conseguir a Enciclopédia do Estudante, da Editora Moderna, para me presentear. Semana a semana, eu recebia um ou dois livros, até ter a coleção completa de 20 volumes.
Avô Abel, pai do meu pai, foi outro responsável por introduzir saberes enciclopédicos em minha vida. Na minha adolescência, ele me presenteou com a coleção Atlas National Geographic, uma espécie de enciclopédia-mapa, em que cada volume correspondia a um país do mundo. O avô Abel faleceu no início de 2021. “Nunca pares de escrever, Sofia” – foi o que ele me disse em uma de nossas últimas conversas antes de adoecer, no segundo semestre de 2020.
— Trechos do meu Trabalho de Conclusão de Curso, 2023 (adaptado para o formato da newsletter).
Meu envolvimento com o fantástico
Sempre me interessei pelo universo do fantástico. Livros ou filmes que nos levam para lugares imaginários, terras distantes, ou até mesmo versões distorcidas, esquisitas, distópicas, do nosso próprio país ou cidade. Histórias grandes, com tramas mirabolantes, ou aquelas mais curtas, com elementos sobrenaturais sutis. De uma forma ou de outra, minha paixão pelo fantástico permanece comigo desde cedo.
O ano era 2018. Eu tinha 18 anos e estava começando a enxergar o mundo literário com outros olhos. Para além de leitora ávida, que sempre fui desde criança, por volta dessa época decidi que também queria escrever minhas próprias histórias. Descobri que haveria um evento chamado Feira Fantástica de Livros, que iria acontecer bem pertinho da minha casa.
Além da Bienal do Livro, eu nunca tinha ido a nenhum evento literário do tipo antes. Resolvi ir nessa feira. Foi como um daqueles eventos canônicos que mudam a vida. Abri meus olhos e minha cabeça para um mundo que eu achava que conhecia, mas que ainda poderia conhecer muito mais.
Conheci Mylena Araújo, escritora de fantasia cearense. Pela primeira vez, conheci uma pessoa cearense, jovem, acessível e que tinha realmente publicado um livro. Uma série de livros! Antes eu pensava que todos os escritores eram pessoas mais velhas, inacessíveis, distantes. Mylena me fez perceber como é rica a literatura cearense contemporânea. Ela me ajudou a entender que eu também podia ser escritora.
Nesse mesmo dia, conheci a história de Emília Freitas, outra escritora de fantasia cearense. Descobri a existência do livro A rainha do Ignoto, um dos primeiros livros de fantasia brasileiros, escrito por Emília, uma mulher cearense, em 1899. Emília me fez perceber que há cearenses produzindo literatura fantástica desde o século XIX.
— Trechos do meu Trabalho de Conclusão de Curso, 2023 (adaptado para o formato da newsletter).
Caderneta Indica
Claro que a Caderneta Indica de hoje tinha que ser dedicada à Literatura Fantástica Cearense, tema do meu TCC.
Não deixem de conhecer os escritores do fantástico cearense, clássico e contemporâneo. Vou indicar alguns para vocês, mas tem muitos outros:
Autores vivos para ler e acompanhar
Lara T. Vainstok, autora de A busca de Ella e Trilogia Escolhidos. Acompanhe a escritora no Instagram para saber as novidades, a continuação de Castelo de Areia (Livro 1 da Trilogia Escolhidos) está vindo aí!
Moacir Fio, autor de Pequenas Hemorragias, professor e editor. Acompanhe o escritor.
Socorro Acioli, autora de A Cabeça do Santo, A Bailarina Fantasma, Oração para desaparecer, dentre outras obras. Acompanhe a escritora no Instagram.
Anna Andrade, autora da trilogia Elegidos, Em diferentes universos, dentre outras obras. Acompanhe a escritora no Instagram e Tiktok.
Zé Wellington, autor de Assombros, Mata-mata, dentre outras obras. Acompanhe também a newsletter dele:
Oziel Herbert, autor de Asas quebradas, fanzineiro e cineasta. Acompanhe o escritor.
Well Morais, autor de Amuletos de Zahron, Mentiroso e o Aprendiz de Fado, dentre outras obras. Acompanhe o escritor.
Pedro Salgueiro, organizador da obra “O Cravo roxo do diabo”, livro que compila 172 contos, 17 trechos de romance e 60 poemas da literatura fantástica cearense.
Autores clássicos para ler e pesquisar
Emília Freitas, autora de A Rainha do Ignoto, conhecido como primeiro romance de ficção fantástica nacional.
Oliveira Paiva, considerado o autor do primeiro conto fantástico publicado no Ceará “O ar do vento, Ave-Maria” (1887), dentre outras obras
Rodolfo Teófilo, autor de Reino de Kiato, também foi um farmacêutico importante na batalha contra a varíola.
Moreira Campos, grande contista cearense, tem livros traduzidos para vários idiomas. Para iniciar em sua literatura fantástica, recomendo: “Dizem que os cães veem coisas” (1987).
José Alcides Pinto, o “Poeta Maldito”, considerado um dos principais escritores cearenses, especialmente na ficção fantástica. Autor da Trilogia da Maldição (1964-1974).
Caderneta Agradece
Estou realmente muito feliz com toda a repercussão da Caderneta até agora. Continuem curtindo e comentando comigo suas impressões, eu adoro! (e às vezes até me emociono hehe).
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Abraços e até a próxima,
— Sofy
Ps. Me deu vontade de comprar uma enciclopédia 😅
Adorei, Sofia! Vai ter edição dos outros artefatos?